Retrato Íntimo
Com menos botões e mais equipa: esta é a nova vida de Sebastião

Sebastião Bugalho está, finalmente, sentado. Há pouco mais de um minuto pedira ao “mestre” cinco finos, uma cerveja e uma água, bebida suficiente para entreter a equipa reunida no lóbi do Hotel Apartamento Solverde em Espinho.
“A Lídia aqui, o João ali e a Carlota ali”.
Bugalho dá as ordens, mas as poltronas vermelhas e listradas da sala vão sendo preenchidas sem grande critério: estão todos visivelmente cansados - incluindo o jovem cabeça de lista da AD às europeias.
Passam 36 minutos da meia noite quando João Magalhães, conselheiro político de Sebastião Bugalho e amigo de longa data, agarra no seu smartphone e o mostra ao candidato:
- “Olha lá”
- “Isto é Cofina, não é?”, pergunta Bugalho.
- “Intercampus. É o Salvador”
- “Ah, é Salvador… Maravilha”
A sondagem da Intercampus (fundada por António Salvador) para o "Correio da Manhã" acaba de ser publicada. Este é o primeiro estudo de opinião que dá vantagem à AD, embora com empate técnico - 24,8% para a AD; 24,1% para o PS.
“Estamos à frente”, exclama Bugalho. A sala anima-se. Antes de a conversa começar, o candidato confirma com Carlota Burnay, assessora de imprensa que há segundos se sentara à sua frente, se está pronto a ser fotografado.
"Carlota, nota-se muito que estou nu?" (um botão saltara-lhe da camisa duas horas antes, durante o comício em Famalicão)
"Não, estás vestidinho", tranquiliza-o Burnay.
E agora com João Magalhães, que ainda não está sentado:
"Joãozinho, então? Preciso que te sentes"
"Espera. Contámos mal o número de cervejas"
"Ah, isso costuma acontecer"






Bugalho, amigo, a jota está contigo
Recuando cerca de 13 horas no relógio, Sebastião cumpre o seu primeiro compromisso do dia. Estamos numa praia da Apúlia, onde a AD conseguiu 42% dos votos nas últimas legislativas e onde o PS se deixou ultrapassar pelo Chega, caindo para o terceiro lugar. As ruas estão desertas. A celebrar o Dia do Ambiente, Bugalho faz pouco mais do que prestar declarações aos jornalistas sobre a urgência de resolver o problema da erosão costeira: ali, o mar está demasiado perto das casas e dos restaurantes. E o candidato estudou o assunto: “Do ano passado para este, deveremos ter perdido entre cinco a dez metros da linha de praia.”
Quando fala à imprensa, Sebastião Bugalho trata todos os jornalistas pelo primeiro e último nome. A sua relação com os repórteres que o acompanham diariamente há quase duas semanas parece próxima. É visto a cumprimentar efusivamente os cameramen, mas mais tarde, em conversa com o Polígrafo, não dá especial importância a este aspeto.
“Não vou fingir que não sou amigo dos meus amigos. Trabalhei nove anos com jornalistas ou à volta deles. Trato todas as pessoas pelo nome, sejam ou não jornalistas. A primeira coisa que perguntei ao rececionista aqui do hotel foi: ‘Como é que se chama? Acha que pode vir aqui servir-nos umas imperiais?’ É o mínimo de dignidade e educação. A mim ninguém me trata por sr. doutor.”
A equipa, que permanece sentada, sorri e concorda constantemente. É difícil perceber se estão habituados a ouvir o seu cabeça de lista falar descontraidamente com jornalistas enquanto bebe uma cerveja. Sobretudo os jotinhas presentes, que têm percorrido o país num autocarro que dificilmente passa despercebido - a cara de Bugalho cobre-lhe as laterais.
A avaliar pelo visível deslumbre dos membros mais jovens do partido face à presença de Sebastião, a maioria deseja ser como ele. Falar como ele. Pensar como ele. Até vestir-se como ele - e para isso não precisam de envergar um blusão Paul & Shark, de design italiano, de 400 euros (que Bugalho comprou nos saldos), nem uns loafers pretos impecavelmente polidos. Basta que invistam numas calças caqui, à venda em qualquer loja importada, e numa camisa bem passada a ferro.
A máquina da AD reconhece a Bugalho qualidades em todos os aspetos, mas aquela que mais admira é a sua proximidade com as juventudes partidárias. Sebastião tem apenas 28 anos, mas já demonstra habilidades para mobilizar os jovens quando se trata de impressionar jornalistas e projetar a sua imagem. Exemplo disso foi a rapidez e entusiasmo com que todos, devidamente trajados com t-shirts laranja, entraram no autocarro, mais cedo neste dia, para que o cabeça de lista fosse fotografado a seu lado.
“Eles são a energia da campanha. Dançamos, divertimo-nos. Eu gosto de pessoas”, afirmou, já no hotel, ao Polígrafo.
O temporizador que Gonçalo Villas-Bôas - o assessor de comunicação que tirou férias para ajudar Bugalho - ligou há 15 minutos interrompe o cabeça de lista. Precisa de mais cinco, transmite-lhe com a mão, e não quer despachar as respostas, independentemente de não apreciar algumas das perguntas.



"É o mínimo de dignidade e educação. A mim ninguém me trata por sr. doutor”

Conselheiros da fruta
Depois da Apúlia, onde duas carrinhas Mercedes pretas esperavam a direção de campanha, Bugalho segue no banco da frente, como faz sempre, em direção a Vila Verde para um almoço com Paulo Cunha, presidente da distrital de Braga do PSD, e Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros, que não lhe poupam elogios durante os discursos no palanque posicionado frente às dezenas de pessoas reunidas na Quinta da Aldeia para darem corpo, voz e estômago a mais uma etapa daquilo que, em jargão de campanha, se designa de “rota da carne assada”.
Do lado de fora da quinta, os jotas passam reggaeton e dançam de forma totalmente improvisada. Nesta altura, Bugalho já deixou o blusão azul-marinho na carrinha. Precisa de ficar à vontade, embora o seu relaxamento deixe a equipa em alvoroço. Os momentos mais críticos da campanha são aqueles que envolvem Sebastião e um microfone. É difícil descolar o comentador do político, mas também para isso serve o smartphone. Quando acorda, pelas 8h da manhã, sempre sem despertador e nunca pronto a alimentar-se, a sua lista telefónica é especialmente importante.
É ao olhar para ela que escolhe se vai falar com Diogo Feio, ex-eurodeputado do CDS-PP e de quem é amigo pessoal há anos, ou com José Eduardo Martins, antigo secretário de Estado de Durão Barroso, que lhe aparecerá no comício em Gondomar. Apesar de militantes, Bugalho chama-lhes “independentes” e é deles que suga muitos conselhos políticos. Mas não só. À noite, no hotel, na presença do Polígrafo, faz questão de atribuir créditos a cada membro da sua equipa. É especialmente grato a Lídia Pereira, número cinco da lista da AD que já está no Parlamento Europeu, e a Ana Pedro, do CDS-PP, que vem logo a seguir.
Gasta sensivelmente dez minutos da conversa a nomear cada um dos presentes: João Pedro, o coordenador da volta da Juventude da AD, seu amigo e alentejano; Tuxa, funcionária do partido e “património do PSD”; Nuno, o “driver” e “muito, muito, muito” seu amigo; Maria Helena Moreira, da juventude da AD; João Pedro, fotógrafo e “querido amigo” que lhe oferece um retrato A4 emoldurado; Gonçalo Villas-Bôas, o homem da comunicação; João Magalhães, o seu amigo “mais antigo” na campanha. Emídio Guerreiro, diretor de campanha, e Paulo Cavaleiro, diretor da volta, também são lembrados, mas hoje foram dormir a casa. “Bem merecem”, reconhece o cabeça de lista, que espera não se ter esquecido de ninguém. No grupo de WhatsApp que mantém com algumas daquelas pessoas, a “daily task force”, recebe notícias, briefings e o clipping das reportagens da campanha. Dos amigos recebe prints das televisões com as notas dos debates. Sente-se suficientemente informado; e já não tem tempo para mais.
Durante as arruadas é visto várias vezes a confraternizar com membros do Governo que se juntam a ele. Em Braga, nessa tarde, foi Hugo Soares, líder do grupo parlamentar do PSD, que apareceu para partilharem um shot de moscatel exatamente no mesmo local onde Marta Temido fez o mesmo com Pedro Nuno Santos. Raras vezes é visto a comer e, antes do almoço, a que muitas vezes escapa, limita-se a beber um iogurte líquido e uma polpa de fruta, cuja origem ninguém consegue identificar.
“São os da Compal?”, pergunta-lhe Lídia Pereira.
“Não, é aquele das criancinhas. Como é que se chama?” - Bugalho pede ajuda.
“Os dinossauros”, responde a equipa.
“Isso, dos dinossauros. Dos míudos”
Domínio de rua
Durante a arruada barulhenta em Braga, onde ouviu cantar à desgarrada e ainda dançou o vira, Bugalho é, pela primeira vez nesse dia, apertado por um eleitor. Um homem, na casa dos 60 anos, fura a confusão para lhe dizer que a sua reforma não chega. Está visivelmente chateado, mas não dá sinais de violência. Sebastião responde-lhe, contrariando tudo o que a equipa lhe ensinara, mas não vale de muito. O homem é afastado por um funcionário do partido, que o leva até ao passeio. Não há equipa de segurança, diz-nos Bugalho, mas tudo indica que estão bem protegidos.
“Obviamente eu tenho empatia humana, solidariedade e não vou seguir em frente como se as pessoas não existissem. As campanhas dos partidos grandes, com responsabilidades governativas, fazem a chamada tática da bolha, não é? Se fosse como no Asterix e Obelix, terias o Júlio César a gritar 'Formation, Tortue'. Mas nós vamos em bolha”.
Claramente confortável no domínio do inglês, é frequente responder na língua de Shakespeare às sugestões que lhe vão sendo feitas ao longo do dia. “I know”; “That’s right”; “Okay”. De alemão não sabe nada, nem tenciona aprender. Em espanhol consegue pedir uma “caña”, mas domina como poucos a língua portuguesa. Nesta campanha tem sido obrigado a alargar o seu leque de conhecimentos, nomeadamente no que respeita às tradições regionais. Ninguém ficou indiferente à forma com que nesse dia dançou o "vira". "Quem me ensinou e pode ensinar é alguém de quem eu gosto muito”, confidencia ao Polígrafo.


Agarrado pelos "bracinhos"
Há dez dias na campanha, Sebastião já consegue refletir sobre os momentos mais duros. Naquele dia não se lembra de nenhum, mas sabe que já se emocionou. No Alentejo, uma senhora dirigiu-se a si para o agarrar “pelos bracinhos” e dizer que o via todos os dias na televisão porque perdeu um filho com a sua idade e tinha saudades dele.
“Obviamente comovi-me. É uma coisa muito marcante. E eu queria que ela sentisse que estava estava ali alguém que queria saber dela”, confessa.
Em Coimbra, durante um almoço, uma “velhinha” que, ao contrário de outras, não queria uma fotografia, também lhe agarrou os braços. “O seu tio, que era o João Bugalho, tratou de mim e da minha família”. Antes de se consagrar como o “dentista da Figueira da Foz”, João Bugalho fora médico.
“Há uma história muito engraçada sobre isso. A sede do PS era no mesmo edifício que o consultório de dentista do meu tio na Figueira da Foz. Um dia o Mário Soares foi à Figueira, viu um mar de gente à beira do edifício e começou a cumprimentar as pessoas porque achava que eram socialistas. Na verdade era a fila para o dentista do meu tio”.
Se Sebastião já não lembra - passa da uma da manhã - a equipa ajuda.
"E as miúdas em Serralves?", recorda João Magalhães.
"Ah, é verdade, obrigado. Esse também foi um momento comovente. Mas esse foi mais do que comovente porque foi um momento muito…"
"Duro", completa Magalhães.
"Duro, sim. À saída de Serralves estava um grupo de ucranianos: uma senhora, uma menina e um menino, com uns oito anos. Eram refugiados de guerra e uma delas chorou e o miúdo disse-me que não sabia se ia voltar a ver o pai porque ele estava na guerra. Eu não me comovi naquele momento porque tu queres respeitar. E como estavam câmaras a apontar eu não queria criar a ideia de que me estava a aproveitar do sofrimento deles para fazer a campanha eleitoral. Portanto tentei ficar o mais estoico possível, mostrar solidariedade e declarar apoio político da candidatura".





Escrever: arte sagrada
O dia termina em Famalicão, num mega comício no mercado onde estão mais de mil pessoas. Cá fora, carrosséis, vendedores e as mesmas duas carrinhas Mercedes pretas com vidro fosco. Numa delas está sentado Sebastião Bugalho, desta vez atrás, frente ao tablet e ao smartphone. Passam 3 minutos das oito da noite e há um discurso para escrever. Liga-lhe Paulo Cunha.
"Tou? Onde é que estás?"
"Estou na carrinha a escrever o discurso. Mas passa-se alguma coisa?"
"Não, não. Vem jantar, pá!"
"‘tá bem. Eu já apareço"
Sebastião já subiu ao palco mais de dez vezes desde que a campanha começou. A sua conta Word está completamente cheia de documentos. Nos discursos, repete várias vezes o mesmo estilo, mas confessa já ter aprendido a “cheirar” o auditório. Quando o incentivam, aponta duras críticas à principal oponente, apesar de garantir ao Polígrafo que a AD prometera, no início da campanha, “não responder a ataques pessoais com ataques pessoais”.
“Faltam três dias agora e vamos continuar essa regra. Eu não vou chamar mentirosa à Marta Temido, mas acho que ela, infelizmente, tentou confundir várias vezes os portugueses misturando posições que nós não temos com posições que nós temos e vice-versa”, argumenta.
No comício dessa noite, ainda nem tinha começado a falar, saltou-lhe um botão da camisa. Foi essa a primeira confidência que fez quando iniciou o discurso e se preparava para atacar definitivamente o PS e Pedro Nuno Santos. Antes dele, Nuno Melo, ministro da Defesa, já lhe fizera o favor de distribuir entradas: "O aproveitamento de uma pandemia, que vitimou tanta gente em Portugal e no Mundo, em campanha eleitoral é inaceitável.”
Sebastião foi mais soft: “Vejo mesmo com ironia que o líder do PS, que se autoproclamava um fazedor, ande tão incomodado com um Governo que finalmente faz coisas.”
Na equipa, todos parecem concordar que o dia - e o discurso final - correu bem. Quando o Polígrafo se prepara para sair do Hotel, Bugalho já terminou a cerveja. Está em pé e explica o porquê de ter chegado tão tarde: a família foi ter com ele a Vila Nova de Famalicão. Depois do comício, foi presenteado por um familiar com um prego, que recusaria se não estivesse em causa algo tão importante: a saúde do número um da lista da AD às europeias.
À missa já não vai, presencialmente, pelo menos desde que a campanha começou. Apesar de instado pelo Polígrafo a fazê-lo, insiste em não misturar religião com política. A equipa concorda - e a conversa fica por aqui.


