Montenegro, o Mr. Green Eyes que pouco dorme na caminhada para São Bento

O líder do PSD não podia estar mais feliz: estas ruas gostam dele. Das pessoas leva beijos, abraços e presentes; dos companheiros, como Hugo Soares e Aguiar-Branco, leva amigos para a vida. Ao Polígrafo, Montenegro confessou que, quando está no Norte, vai dormir à casa de Espinho. Mas é no Palacete de São Bento que espera começar a viver já no próximo domingo.

Pedro Nuno Santos

O “Quiosque do Sol” está há mais de 20 anos frente ao número 104 da Rua Soares Pereira, em Arcos de Valdevez: dentro do metro quadrado menos soalheiro desta vila vianense, Elias organiza os jornais de hoje, 6 de março, que denunciam o estado do país. Há 24 horas que o vendedor de 82 anos sabe que aquela manhã está reservada à arruada da Aliança Democrática (AD), com hora marcada para daqui a 13 minutos. São 10h47. E hoje, ao que tudo indica, ninguém lhe vai comprar nada.

“Estas coisas prejudicam o negócio. As pessoas querem estar com atenção ao que se passa… eu compreendo”, desabafa.

O que se passa é simples: daqui a nada, Luís Montenegro chegará de janela aberta no banco da frente do Mercedes Benz classe E 220, escoltado por mais dois Mercedes topo de gama e por uma carrinha branca completamente personalizada com as cores e logotipos da campanha. Elias, que partilha a parte de trás do seu espaço com um vendedor de pequenos painéis solares, não podia importar-se menos com a aparição iminente do líder da AD.

É um desiludido da política: estava em França, onde trabalhou durante uns anos na construção civil, quando, nas suas palavras, foi “enganado pelo Partido Comunista” nas primeiras eleições livres no pós-25 de Abril. “Em Paris, tinha 20 e poucos anos, chegou-me lá a publicidade dos partidos portugueses. Mas eu não conhecia as siglas. Vi lá PCP, o partido dos trabalhadores, e pensei: ‘também sou trabalhador, por isso vou votar neste.’ Só mais tarde, nos jornais que lia todos os dias, como o Comércio do Porto, vim a saber que aquele era o Partido Comunista. Jurei para nunca mais”, conta ao Polígrafo. Não voltou a votar desde então.

Oh pá, por amor de Deus. Ainda por cima brasileira...

Colados ao quiosque que conhecem bem, três homens vestidos a rigor - sapatos de vela, camisas clássicas, casacos adornados com pin’s da AD e bandeiras do PSD - desencontram por momentos a elevação a que a ocasião supostamente os obriga. Estão com sorte: Montenegro está atrasado.

-       Ó caralho, ó Luís, mas agora só olhamos para o problema dos professores? A minha filha está nos Arcos e vai todos os dias para Santo Tirso.
-       A tua filha concorreu para lá, pá… não foi colocada à força, responde Luís.
-       Ó caralho, as pessoas agora têm cada problema. Quando andavas na escola, há 50 anos, ias a pé, se fosse preciso descalço… agora os meninos têm que ser todos levados à escola. Estava ali no outro dia uma mulher, na escola, que queria saber como é que era o transporte do filho. E mora aqui na ‘valeta’. Oh pá, por amor de Deus. Ainda por cima brasileira.

O termo “brasileira” é um rastilho para estender a conversa a mais intervenientes, que subitamente demonstram um até então oculto desejo de partilhar as suas ideias sobre o tema.

-       Aí está… No Brasil eles têm tudo, os portugueses não têm nada.
-       Você já disse tudo. Não diga mais nada.
-       Eu dizia-lhe: ‘Olhe, é a pé. Ou chame um táxi e pague no final’.
-       Sabes a única coisa que o pessoal precisa? É de trabalho… cultivar os terrenos como antigamente.
-       Mas para isso têm que cortar os subsídios, para por essa malandragem a trabalhar.
-       E quem é que lhos deu? Foram os próprios Governos… e depois o PS não lhes dá e o PSD diz assim: ‘Não, tens que dar porque eles têm que comer. Estão a morrer à fome’.

São 11h36 e estes homens parecem confusos. É uma sorte serem interrompidos pelo “jotinha” laranja que, munido de um altifalante, enche os pulmões para anunciar, alto e bom som: “Chegou o nosso Primeiro-Ministro: Luís Montenegro!”

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Arcos: Terra Prometida

Montenegro está feliz. Há 11 noites que dorme pouco mais que seis horas, mas a recompensa chega hoje, neste paraíso autárquico de onde os sociais-democratas não arredam pé desde dezembro de 1976. Como a de Francisco Sá Carneiro, filho de barcelense, terra vizinha, também a sua figura é inconfundível: os olhos verdes quase sempre semicerrados, o sinal no hemisfério esquerdo do rosto, a pequena cova que lhe marca o queixo e o corpo atlético de quem já foi nadador-salvador; tudo joga a seu favor.

— A que horas tem acordado?
— Tenho acordado entre as 8h e as 8h30. Hoje acordei às 8h00.
— E a que horas se deita?
— Entre a meia-noite e a uma da manhã. Ontem deitei-me às 00h45.
— Quando está em campanha no norte do país fica em hotéis ou vai dormir a casa, a Espinho?
— A casa em Espinho. Nesta campanha tive duas bases: Lisboa e Espinho. E só dormi em hotéis duas noites.
— Qual é a primeira coisa que faz quando chega a casa da campanha?
— Vou cumprimentar a minha mulher e os meus filhos e depois vou à cozinha comer qualquer coisa.

Como a de Francisco Sá Carneiro, filho de barcelense, terra vizinha, também a sua figura é inconfundível: os olhos verdes quase sempre semicerrados, o sinal no hemisfério esquerdo do rosto, a pequena cova que lhe marca o queixo e o corpo atlético de quem já foi nadador-salvador; tudo joga a seu favor.

Montenegro é irrepreensível no trato: fala tão pacatamente que, não fosse o entusiasmo de todos os que estão à sua volta, pouca gente daria por ele. Ali, no meio de centenas de companheiros, nem a sua roupa se destaca: veste um discreto casaco preto e azul de fazenda da marca sueca Gant. Opta por deixá-lo no carro. Na próxima meia-hora não precisará dele - basta-lhe a camisa azul bebé, o casaco de malha fina e as calças caqui slim fit: parece estar a alimentar o estereótipo, mas na verdade limita-se a seguir o dress code.

Faltam apenas oito minutos para o meio-dia e o líder do PSD já fez, a pé, o caminho até à Igreja da Lapa, que está ali desde 1767. A arquitetura é majestosa: uma cúpula ampla abriga o interior feito de talha cuidada, com tecidos avermelhados que completam um dos únicos exemplos do estilo Rococó naquela vila. Lá dentro não está ninguém. Há outro Santo a fazer milagres logo em frente.

Paulo Núncio é o elefante na sala

Quando sobe ao Relógio de Água, uma espécie de rotunda para pedestres, fala pela primeira vez à caravana de fiéis que o segue desde há minutos: “Nenhum pensionista e reformado português, até 2028, vai ter um rendimento mínimo inferior a 820 euros.” Às mulheres do partido, deixa também uma promessa: "Igualdade de oportunidades, um tratamento que as valorize e que não as condicione.” Orlanda Lima sorri. É mulher. E é do partido. Tem a certeza de que aquela mensagem é para ela.

Há muito que Orlanda se destaca dos militantes que a rodeiam: a bandeira que hoje trouxe para a arruada vai fazer 50 anos. Está gasta. As manchas de bolor, os pequenos furos provocados por traças e a sigla PPD, que esconde o primeiro nome do partido fundado a 6 de maio de 1974 por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, denunciam aquela adepta. Tão antiga quanto quer parecer.

Orlanda tem 70 anos e foi a primeira mulher vereadora na Câmara Municipal de Ponte da Barca pelo PSD, em 1994. Ficou lá apenas um mandato: a sua função era “substituir um homem.” Uma tempestade perfeita trouxe-a de novo à campanha. Acredita que com Luís Montenegro “os direitos das mulheres estão assegurados”. Só não quer ouvir falar de Paulo Núncio e do retrocesso da lei do aborto: “O Paulo Núncio podia guardar-se para outra ocasião. Não concordo com ele.”

Na Doçaria Central, enquanto Orlanda reforça o seu repúdio pelas declarações polémicas de centrista, Montenegro e José Pedro Aguiar-Branco, cabeça de lista por Viana do Castelo, partilham os charutos dos Arcos, uma hóstia com um recheio de ovos, doce típico criado em 1830 e feito pelas mulheres daquela casa.

-       Mais uma vez com ovos, isto está a ser uma desgraça, brinca Montenegro.

-       É quase tão bom como a vitória da AD no domingo, responde-lhe o ex-ministro da Defesa, que não terá a vida facilitada na próxima paragem.

Acredita que com Luís Montenegro “os direitos das mulheres estão assegurados”. Só não quer ouvir falar de Paulo Núncio e do retrocesso da lei do aborto: “O Paulo Núncio podia guardar-se para outra ocasião. Não concordo com ele.”

São 15h25 quando, já cansado, Montenegro chega a Viana. Lá como nos Arcos, também os amores-perfeitos estão a abrir. No mesmo vaso, cabem mais de sete cores, ao contrário do que sucede nos passeios da Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, onde a esta hora só há espaços para duas: azul (dos centristas) e laranja (dos sociais-democratas).

Muitos dos presentes são militantes reciclados da manhã desse dia; os que não são captam os olhos de quem ali chega pela primeira vez. Têm lenços Burberry, malas Louis Vuitton, ténis Veja e adoram a americana Guess. Este é um dos concelhos onde há maior poder de compra na região do Minho. E isso nota-se.

Luís Montenegro destoa. Está em campanha e, se noutras ruas já usou pullovers de algodão Carolina Herrera, com a marca ao peito, hoje ninguém lhe identifica vestígios, mesmo que remotos, de extravagâncias de natureza indumentária. Traz uma aliança no dedo, uns sapatos de vela encerados e não usa relógio. Não é que não o tenha: quando estiver no comício em Barcelos, o seu Raymond Weil Maestro automático, de design suíço inconfundível - onde as fases da lua surgem num magnífico azul cobalto - ver-se-á à distância. Comprou-o há dez anos. Mas não o trata como uma relíquia.

— Tem algum relógio de valor? Ou de valor sentimental...
— Tenho um mais valioso que comprei há dez anos mas guardo-o com o mesmo carinho que os Swatch.
— Troca de sapatos para sapatilhas quando chega ao carro?
Não.
— Está a ler alguma coisa? Algum livro?
— Acabei Uma Terra Prometida, de Barack Obama, e ontem ofereceram-me uma biografia de Francisco Lucas Pires, O Príncipe da Democracia, que tenho curiosidade em ler.

O “coveiro” Aguiar-Branco: “Devia ter vergonha!”

Viana do Castelo está lotada: da Ponte Eiffel, projetada pelo designer com o mesmo nome,  até à confeitaria de Manuel Natário, com quase 100 anos de história, há um “laranjinha” em cada esquina. E se a viagem ainda não tinha oferecido contratempos ao líder do PSD, é agora que um dos seus se confrontará com uma das consequências da centralização.

Em janeiro de 2014, o ex-ministro da Defesa de Pedro Passos Coelho tutelou a decisão de subconcessionar a privados a atividade dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. À West Sea, Aguiar-Branco, que hoje passeia um sorriso típico de campanha, encomendou ainda dois navios patrulha.

“Coveiro! Devia ter vergonha! É pena os trabalhadores não estarem aqui. Coveiro! Vendeu a maior empresa de Viana aos amigos dele. Devia de ter vergonha de vir aqui a Viana”. É assim que o recebe Manuel, antigo funcionário dos Estaleiros Navais.

“Os amigos dele é que salvaram a empresa… o Presidente da Câmara de Viana é que queria acabar com isto”, responde-lhe um popular que se aproxima da confusão.

-       Não queria não. Não queria! O coveiro havia de ter vergonha. Deu a empresa de mão beijada aos amigos. Aquilo era uma escola. Agora está moribunda.

Manuel está tão indignado que não consegue parar de mexer-se. Tem 63 anos e não é reformado, apesar de ainda há pouco ter garantido que ganha 500 euros de reforma. Está “em Tribunal com a empresa há 10 anos” e assegura ao Polígrafo “não ter recebido um tostão”. Aquela esquina, junto à Caixa Geral de Depósitos, já conta dezenas de passos daquele homem, sempre às rodas.

“Coveiro! Devia ter vergonha! É pena os trabalhadores não estarem aqui. Coveiro! Vendeu a maior empresa de Viana aos amigos dele. Devia de ter vergonha de vir aqui a Viana”.

A comitiva liderada por Montenegro, Aguiar-Branco, Hugo Soares (com quem passou férias no Vale do Garrão) e Rui Rio já passou há muito tempo. Ainda houve troca de palavras, mas o ex-ministro despachou o trauseunte com um "passe bem". E com o barulho que fazem os bombos, o mais provável é que já não tenha ouvido mais nenhuma palavra.

Quem ouviu tudo mas nada percebeu foram Ana e Ernesto: quando saíram do Porto esta manhã não podiam imaginar que Viana do Castelo, onde o casal de espanhóis ia passar a tarde, estivesse tão cheia de política. Até porque nada no caminho os deixou adivinhar: “Parece não haver publicidade aos partidos. Ninguém diria que há eleições no próximo domingo.”

Os catalães estão de férias. Chegaram a Portugal, de Barcelona, há três dias. Têm dificuldades em distinguir PS e PSD.

-       “O partido laranja é o de esquerda?”, pergunta Ernesto, que ainda há pouco falava sobre a inveja de Espanha face à revolução dos Cravos.

-       “Não, esse é o vermelho”, responde Ana.

Naquele passeio de meia hora junto às lojas e cafés, o líder do PSD vai receber uma caricatura que o apelida de “Mister Blue Eyes” e que o apresenta como um estudante universitário que não vai às aulas e pede apontamentos no dia que antecede os exames. Mas Montenegro sempre foi um bom aluno. E os seus olhos são verdes, o que lhe chegou a valer a alcunha de “ervilha”.

— Leva algum objeto/recordação de casa para a campanha?
— Não. Levo é várias recordações da campanha para casa.
— Troca de sapatos para sapatilhas quando chega ao carro?
Não.
— Se chegar a São Bento, o que levará de casa para o seu gabinete de Primeiro-Ministro?
— Pouca coisa. Duas ou três fotografias da família.

De Viana, Montenegro só não leva Rui Rio, várias vezes subestimado pelo atual líder do PSD em confrontos internos do partido. Hoje estão juntos na luta. Um “sinal de união”, justificou o ex-líder aos jornalistas. No espaço mais otimista de Viana, junto ao rio Lima, Montenegro, carregado de presentes, despede-se do grupo de apoio. Mera manobra de entretenimento. Afinal, estes fiéis também seguem para a próxima estação: Barcelos.

Néné é um ex-Chega, mas agora vende pipocas pela AD

A agenda do dia em que o Polígrafo acompanhou Luís Montenegro está a chegar ao fim. A esta hora, 18h57, o frio já se sente em Barcelos, numa marcha que começa agora e que é liderada por uma gaita de foles. No Raymond Weil do líder a lua está em quarto minguante. Só dia 10 chegará a Nova: um presságio para um dos fortes candidatos a Primeiro-Ministro? Quando o satélite natural estiver entre a Terra e o Sol, invisível a olho nu, Montenegro terá a oportunidade de uma vida: levar para São Bento, onde poderá conviver com os icónicos tapetes azuis da Burel Factory, em que Fernanda Tadeu se sentou de pernas à chinês, e com a tapeçaria que remete para o mar e para os corais de Vanessa Barragão, as fotografias da família.

No mesmo dia, “Néné”, vendedor de pipocas que distribui pequenos sacos a todos os que querem ouvir Montenegro, vai poder emoldurar o registo fotográfico que fez em Famalicão com o líder do PSD. Por enquanto, só tem que o encontrar. 

-        Não sabe quem é o fotógrafo de Famalicão?, pergunta a uma jovem que se aproxima da máquina luminosa, alimentada por um pequeno gerador Hexman. 
-       Só têm que ir ao Facebook… estão lá todas. 

“Kiki” percebe a tarefa: o marido de 39 anos trabalha enquanto ela, de mala a tiracolo e pantufas, sentada no estreito passeio encostado à torre de pedra, desbloqueia o telemóvel e procura as pastas com as fotografias que tiraram em Famalicão. Lá, Montenegro também comeu pipocas. “Hoje não teve tempo”, lamenta “Néné”, a alcunha de Fernando Cruz.

A quem se aproxima com dinheiro, Fernando responde: “É oferta da AD.” Tem 39 anos e o negócio corre-lhe bem. Aos domingos, leva a carrinha para junto dos palcos dos programas de televisão, um ritual que terá que interromper: no próximo dia 10 vai votar AD, como pedem os panfletos estrategicamente colocados nas ranhuras da máquina. Mas “Néné” tem um segredo. E quer contá-lo.

- “Eu já fui cabeça-de-lista para uma Junta de Freguesia. Pelo Chega [risos].” 
“Kiki” bate-lhe na perna. Referindo-se à repórter do Polígrafo, pergunta: 
- Quem é essa?
 “Néné” faz uma pausa - quer tranquilizar a mulher.
- “É jornalista”.

 Face à não reação da sua companheira, faz o balanço da experiência no partido de André Ventura: houve muitas coisas com as quais não concordei. O país precisa de uma mudança, mas não é do Chega.”

Em 2021, “Néné” colheu muitos votos em Fradelos, garante ao Polígrafo. Em dois anos, este pai de dois filhos moderou-se: “Só quero ver mudança. Nos meus impostos, na saúde. Na altura estava revoltado… senti que não havia recompensa para quem trabalha.” Está melhor aqui. Quando a conversa é “interrompida” pela voz off de Manuel Luís Goucha, num vídeo de apoio à AD, Fernando não contém a surpresa: “Nunca vi nenhum apresentador a dar a cara por um partido. Você já viu?”

Luís Montenegro está dentro do pavilhão improvisado para aquele comício em particular. Este vendedor de pipocas - e de castanhas no inverno - ainda estará aqui quando o candidato regressar ao seu Mercedes para abandonar o local. Mas antes disso, lá dentro, Montenegro ainda partilhará o calor que se faz sentir com por figuras de relevo, como Luís Marques Mendes, a figura de cartaz nessa noite, ou Hugo Soares, o seu fiel escudeiro. Nota-se que Montenegro está cansado. Mas não podia estar mais feliz. Desde a tinta verde que lhe lançaram à cabeça como protesto contra as alegadas sucessivas promessas feitas e não cumpridas pelos políticos no domínio da proteção do ambiente, ninguém lhe voltou a estragar o dia.

— O que é que sente quando nas ruas as pessoas vos acusam de estar a mentir?
— Sinto injustiça. Mas sou tolerante porque compreendo que haja pessoas desiludidas.
— O que é que gostava que as pessoas soubessem sobre si que ainda não sabem?
— Creio que já me conhecem bem. O que quero agora é que sintam ainda mais confiança no que vamos fazer juntos.
— Gosta da euforia das ruas, dos abraços e dos beijos? Ou fá-lo apenas porque é suposto fazê-lo em campanha?
— Gosto mesmo e dão-me muita força.

Nota-se que Montenegro está cansado. Mas não podia estar mais feliz. Desde a tinta verde que lhe lançaram à cabeça como protesto contra as alegadas sucessivas promessas feitas e não cumpridas pelos políticos no domínio da proteção do ambiente, ninguém lhe voltou a estragar o dia.

Da aldeia de Rabal, no município de Bragança, até ao Palacete de São Bento, no número 2 da Rua da Imprensa à Estrela, em Lisboa, distam 499 quilómetros. A casa dos avós paternos de Montenegro não foi desenhada por ninguém: as origens humildes chocam com o imponente design do palácio do Primeiro-Ministro, mandado construir em 1877 por Joaquim Machado Cavares. Mas Montenegro não tem medo: se for preciso, volta a dormir em Espinho, onde o esperam a mulher e os filhos. É para lá que agora segue; e talvez adormeça pelo caminho.